Encerramos esta série de artigos sobre a corrupção apresentando uma situação na qual o comportamento de um único agente (portanto no contexto da microeconomia), pode repercutir na esfera macroeconômica, com efeitos no bem-estar coletivo.

por Carlos José Guimarães Cova – Brasil Econômico

O agente em questão pode ser o dirigente máximo de um país. No campo da análise das motivações que animam os agentes políticos pode ser encontrado farto material de pesquisa para fundamentar a Teoria da Escolha Pública (TEP). Não raro se desconhece o fato de que a natureza do comportamento político possui caráter utilitário e pode ser investigada à luz da Teoria Econômica. Nesse sentido, nos anos 70, surgiu nos EUA uma linha de pesquisa que se deteve em estudar os ciclos político-econômicos, com farto material teórico e empírico. O mainstream dessa literatura, capitaneado pelos trabalhos de Nordhaus e Hibbs, introduziu o enfoque racional de comportamento dos governantes. A partir da suposição desse comportamento racional surgiram dois modelos acerca dos ciclos político-econômicos, que abordavam de forma distinta tanto as motivações dos partidos, quanto as preferências dos eleitores. Vamos nos deter na apresentação de um deles. De acordo com Nordhaus, atingir o poder e nele permanecer é o único objetivo dos partidos políticos. Quando se aplica o enfoque racional à política, verifica-se que os partidos não ganham eleições para formular políticas, mas sim formulam políticas para ganhar eleições. Sendo o objetivo de um partido no governo manter-se no poder e com base na premissa de que os resultados eleitorais são dependentes do estado da economia, há a tendência do governante intervir na economia. Há também a suposição de que os eleitores possuem miopia retrospectiva de curto prazo, ou seja, só são influenciados pelos últimos acontecimentos e não pelo conjunto da obra, que, aliás, implica raciocinar, fato que exige esforço. Assim, por meio de instrumentos de política fiscal, o governo gera um maior crescimento da produção e do emprego, em níveis não sustentáveis pela capacidade da economia, gerando gargalos e desbalanceamentos. Uma medida como essa, sobretudo se for baseada em aumento de gastos públicos, gera inflação no momento seguinte à vitória nas urnas. É interessante refletir sobre essa análise feita há quase 40 anos com o momento presente aqui no Brasil. Com base nessa suposição sobre o comportamento do governante, é possível inferir que o próprio processo eleitoral gera motivos para a adoção de políticas com efeitos inflacionários no médio ou longo prazos. O leitor consegue identificar algumas associações com o mundo real? Um aperfeiçoamento desse modelo se verificou nos anos 80, com a introdução da suposição de que os eleitores são influenciados por expectativas racionais, de tal forma que eles adotariam comportamentos estratégicos, ao invés de simplesmente reagir ao passado recente. A consequência dessa suposição seria o enfraquecimento da capacidade dos governantes em manipular as circunstâncias ao seu favor. Ocorre que isto pressupõe um conjunto de eleitores educados e com capacidade de compreender a dinâmica do processo político-eleitoral. Uma extensão desse raciocínio diria o seguinte: países em que a educação é negada aos cidadãos geram ambiente fértil para a miopia retrospectiva. O impacto do aumento do gasto público é potencializado pela existência de uma burocracia estatal que tem o poder de influenciar os integrantes das comissões legislativas no sentido de ampliar o volume dos orçamentos a eles alocados. Como os membros das comissões não possuem meios para obter o valor do custo efetivo do serviço burocrático, mas são seduzidos por promessas de apoio de determinadas categorias de agentes estatais, eles terminam aprovando aumentos nos orçamentos alocados aos burocratas. Estes, por sua vez, operam no sentido de maximizar a sua função de utilidade por meio de promoções, salários, aumento do staff, recursos para passagens, veículos, imóveis funcionais e todo um conjunto de privilégios que apenas oneram a sociedade sem uma contrapartida imediata de melhoria dos serviços públicos. Um burocrata do serviço público não é o abnegado servidor da população que o mito ideológico sugere ao senso comum. Ao contrário, de acordo com a Teoria da Escolha Pública, o burocrata atua como um agente econômico racional, cuja motivação principal é a satisfação do interesse próprio, operando por intermédio de comportamentos estratégicos e oportunistas para alcançar os seus objetivos. Trata-se de um claro exemplo de uma relação do tipo principal agente, no qual o conflito de interesses se estabelece entre o principal sem poder (a sociedade) e o agente (burocrata investido de uma parcela do poder estatal). O esforço do burocrata passa por conhecer as motivações dos agentes legislativos, de forma a empregar os mecanismos da democracia para atender seus interesses particulares. Países em que Juízes e Policiais recebem salários mensais que correspondem ao salário de 4 anos de um professor da rede pública refletem essas situações em que grupos podem capturar o Estado. De qualquer forma, os representantes do povo foram escolhidos por um processo que se declara democrático. Por esta razão, ou o povo aprende a refletir sobre as suas escolhas, ou vai sofrer as consequências delas. O próprio processo de voto é uma ação bastante rica para a análise da decisão microeconômica. Mas isto fica para um próximo artigo. — Publicado em 15/04/11 às 07h31 Fonte: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/a-microeconomia-da-corrupcao-iii_100546.html