A economia da corrupção compreende um vasto campo de análise do comportamento dos agentes econômicos, conforme já vimos em nosso primeiro artigo desta série. Os trabalhos de Shleifer&Vishny, de 1993, estabelecem relações entre as instituições e a corrupção, bem como as suas relações com o crescimento econômico.

por Carlos José Guimarães Cova – Brasil Econômico

Nesse sentido, há a suposição de que a corrupção se manifesta com maior intensidade quando as instituições públicas geram excesso de regulamentação e de centralização por parte do ente estatal, ao mesmo tempo em que não estão sob o controle da sociedade.

Por exemplo, se para cada tipo de problema o Estado criar uma secretaria específica para cuidar dele, está aberta a porta para a corrupção, que se manterá viva enquanto o problema persistir, ou seja, para sempre.

O maior impacto da corrupção, sob a ótica econômica, é o ônus que ela impõe para o crescimento econômico.

Em regra, o pagamento de propina distorce o emprego da estrutura da burocracia pública, ao mesmo tempo em que deve ser mantida em segredo, fato que gera um custo adicional para a sua obtenção, pois será necessário cooptar e manter uma rede de funcionários a disposição de uma esquema de corrupção.

Isso se traduz num modelo de negócios que envolve o uso de informações privilegiadas, simulações em certames e ações conexas.

Este procedimento possibilita a alocação de recursos em atividades improdutivas e gera custos de transação desnecessários, o que prejudica uma correta alocação de recursos na economia, e, consequentemente, compromete o crescimento econômico.

O estudo sistemático do fenômeno da corrupção, tanto no arcabouço da microeconomia, quanto numa perspectiva da economia política positiva, se constitui em importante instrumento para a sua compreensão, haja vista que as regras e instituições sociais, políticas e jurídicas moldam o sistema de incentivos que influencia o processo de tomada de decisão dos agentes, num contexto de risco e retorno.

A lógica subjacente é a seguinte: se o marco jurídico institucional, de forma deliberada ou não, gera incentivos para a corrupção, ela ocorrerá naturalmente.

Simples assim. Não obstante, essa afirmação, longe de ser motivo de desânimo ou de rendição aos fatos, deve servir de estímulo para uma investigação mais profunda acerca dessa questão.

Isto ocorre porque, na medida em que se conhecem as motivações dos agentes, é possível modelar a dinâmica das relações institucionais que incentivam a formação de grupos de interesses com estrutura clientelística, capazes de praticar a corrupção, e assim tentar estabelecer estímulos para que os agentes não operem utilitariamente a corrupção, seja por meio do incremento de seus custos e riscos, seja pela substituição dos custos de oportunidade, de tal forma que operar fora da esfera da corrupção seja mais rentável no longo prazo.

Ninguém disse que este exercício é uma tarefa simples. Longe disso. Contudo, manifestações tais como a que gerou a lei dos “fichas limpas” são exemplos de que mudanças graduais são factíveis e produzem seus efeitos transformadores na sociedade.

Esta situação é de grande interesse público porque o Brasil avança cada vez mais no aperfeiçoamento das suas instituições democráticas. Ocorre que, exatamente por estamos na infância da democracia é que devemos ter cuidado.

A escolha num processo democrático opera num contexto em que o Estado e o próprio governo praticante da democracia possuem falhas.

Tal fato abre espaço para que ocorram lacunas entre o interesse público e o interesse estatal, na medida em que os primeiros são hipotéticos, mas o segundo pode ser perfeitamente alinhado com os interesses dos grupos de pressão que concorreram e contribuíram para a eleição dos atuais controladores do Estado.

O advento da corrupção na administração pública em geral, em especial nas aquisições de bens e serviços, está associado ao fato de que não é possível supor, ingenuamente, que exista no âmbito do Estado uma administração gerencial pura, na qual as estruturas de incentivos com que os burocratas, os políticos e os agentes privados se deparam em suas interações, sejam equivalentes às estruturas de mercado tradicionais.

As escolhas públicas não são estritamente técnicas ou gerenciais, pois elas não são neutras com relação aos interesses de lobbies dentro e fora do Estado. O exemplo clássico é o fato de que a elaboração de um Orçamento público é tanto um processo técnico, quanto político.

O mesmo ocorre com as aquisições de bens e serviços pelo governo, que estão sujeitas a critérios políticos, lícitos ou não. A existência pura e simples do Estado cria a possibilidade de alocações políticas de recursos escassos.

Este é o desafio a ser enfrentado pela sociedade dotada de senso crítico e vontade de evoluir.

Publicado em 01/04/11 às 07h36
Fonte: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/a-microeconomia-da-corrupcao-ii_99993.html