O senso comum costuma se escandalizar com a corrupção endêmica que assola o país, em todas as esferas de governo, poderes da República, instituições públicas e privadas e no comportamento do cidadão médio. É uma postura um tanto quanto cínica essa relação ambígua que o cidadão médio mantém com a corrupção.

por Carlos José Guimarães Cova – Brasil Econômico

Ele a pratica e a condena, numa complexa e dramática esquizofrenia moral. Talvez seja melhor compreender mais este fenômeno que, antes de ser uma questão de ordem moral, se reveste de uma natureza essencialmente econômica.

O cerne deste artigo está baseado no conceito de rent seeking, ou caçador de renda, definido pela Teoria da Escolha Pública, desde 1959, como sendo o comportamento de alguns agentes econômicos que operam de tal forma a obter, por meio do Estado, privilégios de mercado tais como um monopólio, auferindo renda a expensas de outros grupos ou agentes, sem benefícios líquidos para o conjunto da sociedade.

O leitor está surpreso? Não sabia que a corrupção é um conceito econômico estudado amiúde há décadas? Exatamente! Trata-se de mero comportamento econômico racional, num contexto de decisão amoral.

Amoral aqui entendido não no sentido de libidinagem e canalhice (o que seria imoral), mas sim com relação a um contexto no qual não são feitas considerações de fundo moral e sim apenas aquelas de caráter utilitário, ou seja, que aumentam a sensação de bem-estar do agente.

O efeito do rent seeking se equipara a uma empresa que opera numa estrutura de monopólio. Na prática, isto significa que os agentes não mais serão remunerados de acordo com suas respectivas produtividades, de tal forma que a redistribuição final da renda após a ação de rent seeking poderá premiar mais o poder de influência do que o mérito, a capacidade ou a necessidade.

Tanto o comportamento dos agentes corruptos quanto o dos corruptores podem ser modelados de acordo com o modelo do caçador de renda. A única distinção entre o corrupto e o caçador de renda stricto sensu é o fato de que o primeiro opera fora da lei.

Nesse sentido, a propina pode ser entendida como o meio financeiro de se transformar relações impessoais em pessoais, com o objetivo de transferir ilegalmente renda dentro da sociedade, ou realizar a apropriação indevida de recursos de terceiros ou ainda garantir um tratamento diferenciado.

O leitor está fazendo associações com o cotidiano? Que sagacidade! Os agentes públicos apenas estão agindo como homus economicus, pois não são imunes aos seus próprios interesses pessoais e aos interesses de lobbies e de diversos agentes privados que possam exercer pressão sobre suas decisões.

O controle sobre este comportamento, na ausência de um sistema de crime e castigo que aumente o risco desta ação, dependerá apenas da restrição moral do agente, que, agindo assim, já não seria objeto de um modelo tradicional da microeconomia da corrupção.

A moral apenas é considerada num contexto de economia política e seria a aquisição sistemática de valores que afastam o ser humano da animália ancestral, na qual os instintos prevalecem sobre a razão.

Contudo, o que dizer do agente que atua no nosso mundo real? Como definir o arquétipo do agente mediano e avaliar se suas condições morais podem frear sua volúpia rentista?

O agente mediano é alguém que urina nas ruas (a TV em pleno século XXI faz apelos inúteis para que ele assim não proceda). O agente mediano não gerencia seu lixo, lançando-o nas ruas e calçadas, ao mesmo tempo em que convive com esgotos e valas negras como se isso fizesse parte da natureza. Não sabe respeitar o espaço público, seja pichando-o, seja fazendo barulho ou outra manifestação inconveniente.

O agente mediano destrói o mobiliário urbano e as árvores, sonega impostos, cola nas provas, trai o cônjuge, mente. O agente mediano não vota por cidadania, mas sim por barganha ou deboche. O agente mediano abomina a cultura e o conhecimento edificante e se compraz na indolência e vazio intelectual de um reality show, bem como no culto ao corpo e ao hedonismo fugaz.

O agente mediano realiza na mercantilização do sexo a sua mais elevada manifestação da criatura do seu tempo. O agente mediano resgata suas culpas numa fé de barganha com o criador, onde o culto exterior e as oferendas em dinheiro suplantam a reforma íntima e a contrição que caracterizam a fé raciocinada em detrimento do fanatismo cego.

O agente mediano há muito afastou-se de valores e princípios, pois não os encontrou nem na família, nem nas escolas. O agente mediano se manifesta em toda a sua natureza na saída dos estádios de futebol ou no trânsito, extravasando sua fúria homicida.

Entendeu agora porque não existe solução em vista, num prazo curto, para o problema da corrupção? Afinal, onde está este agente mediano?

Publicado em 15/03/11
Fonte: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/a-microeconomia-da-corrupcao-i_99236.html